Por coincidência, participei muito recentemente num
debate dedicada ao tema “Europa e Direitos sociais”, que reuniu dois
eurodeputados, Elisa Ferreira e Paulo Rangel.
A dado momento, suscitou-se a discussão em torno da “distribuição”
e do “crescimento económico”, com a tese de que só é possível “distribuir” o
que ganharmos com um crescimento criador de riqueza – Paulo Rangel – e a
imediata postura defensiva, de que ninguém disse que se iria distribuir o que
se não tem – Elisa Ferreira –.
Fiz uma intervenção nesta fase do debate, para procurar
entender a que conceito de “distribuição” se estavam a referir.
Ponto 1, entendo a “distribuição” como uma “adequada”
repartição do rendimento gerado por um país entre as suas componentes:
salários, rendas, juros e lucros. E, sobretudo, e complementarmente, com
“equidade” ao nível dos salários (e pensões), com o valor da mediana o mais alto
possível.
Paro aqui para explicar porque não falo de média, mas de
mediana, porque um contributos mais importantes e mais simples de executar para
a “causa” das políticas sociais passaria por alterar a forma de apresentação
dos números do crescimento económico.
Os indicadores macroeconómicos calculados e divulgados
pelos organismos estatais fornecem médias aritméticas, o que significa que pode
haver uma melhoria ou degradação do rendimento de um país sem que uma vasta
maioria da população sinta qualquer transformação. O PIB, em vez de ser
apresentado em termos médios - per capita, que mede o acréscimo médio de
rendimento por pessoa – deveria passar a
ser apresentado em termos medianos - que
separa a metade inferior da amostra da superior, mais concretamente, 1/2 da
população terá valores inferiores ou iguais à mediana e 1/2 da população terá
valores superiores ou iguais à mediana - . Passaria a dar a variação que ocorre ao nível dos cidadãos
que estão exactamente no meio da distribuição de rendimentos.
Esta mudança de medida teria a vantagem do discurso
macroeconómico e político passar a considerar
as implicações da redistribuição do rendimento. Por exemplo, na Suécia, em
2009, o rendimento mediano cresceu menos 13% do que o rendimento médio, o que é
uma grande diferença e obriga as pensar nos aspectos redistributivos do
rendimento.
Ponto 2, também não entendo que a “distribuição”, ou
repartição, tem por base necessária um qualquer crescimento económico. Isto, se
o ponto de partida for uma excessiva concentração, mais uma, no País. Poucos
têm muito rendimento e uma economia não funciona assim.
E, finalmente, ponto 3, numa defenderei uma distribuição pura, de
caridade, sem o ser numa lógica de apoio social e eminente a situações de
tragédia social e individual. Ainda hoje, 5 de Fevereiro de 2014, se pode ler
do Papa Francisco “desconfio da esmola que não custa e não dói” e o seu ataque
ao “poder, luxo e dinheiro, que se tornam ídolos e impedem a distribuição justa
das riquezas”. Por isso partilho a causa do empreendedorismo social como a
forma mais eficaz e mobilizadora para a inclusão social, tema que poderá ficar
para um próximo artigo.
Curioso, é o eurodeputado supostamente mais praticante da
fé católica, e que mereceu sempre os maiores cumprimentos e felicitações da
própria hierarquia católica presente, ser o que não expressa esta ideia do Papa
Francisco…
De facto, pode-se
distribuir sem crescer, se a base de partida forem rendimento muito
concentrados. E que as políticas da Europa e de Portugal, e das Empresas, e dos
próprios “Patrões”, deveria ser desenvolvida nesse sentido.
Voltando às lições
que a história nos pode dar, John Kenneth Galbraith, a propósito da crise
de 1929, colocou a desigualdade na distribuição de rendimentos como sendo a sua
principal causa.
O problema de então não era o consumo potencial em valor
absoluto, mas o existirem poucos consumidores, o que tornou a economia
dependente de um alto nível de investimento ou de um elevado nível de consumo
de bens de luxo, ou de uma composição de ambos, mas gerado por poucos.
O capitalismo moderno tentou, então, resolver o problema
através do crédito, incentivando a procura. Por outro lado, desenvolveu-se todo
um conjunto de políticas públicas, de génese Keynesiana, com vista a aumentar a
procura pública.
Entendo que vivemos idêntica situação, que está aqui o
cerne da nossa crise, quando se começou a cortar nos rendimentos das classes
médias e baixas e assim se destruiu poder de compra e de criação de emprego.
Mas, com os
atuais níveis de endividamento de famílias e empresas, a solução passa
necessariamente pela correção real das desigualdades na repartição de
rendimentos. Numa sociedade onde a riqueza é melhor distribuída, esta circula
melhor. Mais vale entregar migalhas a milhões, do que muito a poucos.
Os salários e as pensões são a melhor forma de distribuir
esses rendimentos, sobretudo nos níveis mais baixos e para subsistência. Nos
níveis elevados de rendimento, caímos na situação de 1929, com a acumulação e
retenção dos fundos financeiros, que não são gastos nem circulam.
Os rendimentos distribuídos a título de salários e de pensões
são geralmente vistos como custos, das empresas e do Estado, pelo que se têm
promovido as ideias para a sua redução, para aumentar a competitividade das
empresas e reduzir o deficit orçamental, respetivamente. Só que, de outra
perspetiva, estes rendimentos são importantes para assegurar a procura interna
de bens e serviços, necessário para a promoção de novos empregos, e que na
Europa se situam na procura da classe média em áreas como a saúde, educação,
cultura, turismo, artes, indústrias criativas, património, cuidado geriátrico,
etc., e menos nos sectores concorrenciais com os países de baixos custos e sem
Estado Providência.
Estes rendimentos também contribuem para as receitas do
Estado e para a sua menor despesa em subsídios sociais e de desemprego, assim
equilibrando o Orçamento de Estado.
O problema de fundo, que é de toda a União Europeia, está
em querermos ser competitivos numa economia globalizada, usando as mesmas armas
dos países que nos estão a afetar, com a degradação das condições de trabalho
e sociais e enfraquecendo assim a procura interna, que é a fonte criadora do
emprego.
"Os países mais desenvolvidos não são aqueles onde
os salários são mais baixos, mas onde são mais elevados. Identificamos a
disparidade de rendimentos como um dos três maiores perigos para o crescimento
global e para a coesão social", segundo declarações recentes de Robert
Greenhill (World Economic Fórum, Davos), … " é necessário também debater
as compensações dos executivos. Os líderes dos índices de competitividade são
sempre a Suíça, Singapura e os países nórdicos, onde os salários são elevados e
o Estado Social são sólidos….”
O rendimento disponível dos trabalhadores e pensionistas
deve aumentar, se não pela via do acréscimo salarial por ditas razões de competitividade,
então (i) pela redução dos custos correntes que têm e (ii) por uma política de
distribuição de lucros nos salários, que induza uma maior circulação do
dinheiro, que não pode estar parado nos poucos que têm demasiado.
É possível aumentar o rendimento disponível das famílias
sem alterar o valor dos salários, se entendidos pelas Empresas como factor de
custo e impeditivo da competitividade.
Partilho as
questões que coloquei de uma forma muito pragmática e que gostaria de ouvir
reflectidas e respondidas nesta fase em que se discute a Europa.
1. O que é que os Organismos decisores europeus querem
para os seus cidadãos?
Eu entendo que deviam querer
aumentar o rendimento disponível das famílias, sem mexer no actual nível de
impostos e de salários fixos, para permitir a competitividade da Europa neste
mundo globalizado.
É possível.
Como não gosto de criticar sem
apresentar alternativas, irei apresentar medidas para o efeito, dado que o
“Diabo está sempre nos pormenores”, não nos grandes desígnios.
2 – Está a Europa a usar os meios, as técnicas, ajustados
aos objectivos que pretende para os seus cidadãos?
Não está, claramente, pelo menos
para o que entendo como primeiro objectivo.
E está aqui o cerne da questão: só
fazendo diferente se obtém resultados distintos.
3 - Porque insistem que não há, nem se apresentam
alternativas?
Vou apresentar algumas:
- Capitalizar os clientes dos
Bancos, e não diretamente os Bancos, via um Fundo de Desendividamento (que já
apresentei nesta revista e que gera rendimento disponível anual de mais 3 mil
milhões de euros e receitas de IVA de mais 750 milhões de euros/ano);
- Taxa de 0,1% sobre operações de
Bolsa, que evitaria cortar salários e pensões – hoje, 5 de Fevereiro de 2014, transacionaram-se
210 milhões de ações do BCP na BVL, a um preço de fecho de 0,1831 por ação. A
aplicação desta taxa – significando que o comprador pagaria 0,1833 e o vendedor
receberia 0,1829 - traria cerca de 77 mil euros de receita/dia para o Estado.
Se generalizado para 245 dias úteis do ano, 19 milhões de euros e estendido aos
restantes 19 títulos do PSI20, atingiria cerca de 380 milhões de euros por ano -;
- Reduzir os preços dos serviços
dos oligopólios que estão a tirar rendimentos às famílias (eletricidade,
combustíveis, comunicações rodoviárias, telecomunicações, Banca e Seguros);
- Direcionar o capital público
para pequenos projetos e empresários – os Fundos Revitalizar “querem” investir
não menos de 2 milhões de euros por empresa;
- Seguir o exemplo da Banca
Islâmica e apoiar as necessidades que as pequenas empresas têm para comprar matéria-prima
a preços adequados, financiando também o fundo de maneio e não só o
investimento corpóreo e incorpóreo. A Banca Islâmica intervém como parceira em
projetos específicos de compra da matéria prima e partilha os ganhos no
produto final vendido.
- Em vez de descida de IRC, atribuir
benefícios de redução do IRC para quem distribui lucros nos salários,
nomeadamente fazendo os ganhos das exportações chegar à economia interna por
aumento da procura potencial;
4 - Está
de facto a Europa interessada em mudar o que tem feito?
Esta intervenção custou-me os adjetivos de apaixonado e
utópico, e a redução do empreendedorismo social e da Economia Social a um nicho
muito pequeno de intervenção.
Mas, cada uma das ideias já teve pelo menos uma aplicação
prática ao real de uma vida, de uma família. Podia de facto ser generalizada e
proporcionar menos infelicidade a tantos, repete este “apaixonado utópico”…
Por isso, termino a repetir, pode-se distribuir sem
crescer. Se os rendimentos já estiverem concentrados.
E, mais!
Só com essa prévia distribuição à cabeça teremos crescimento e mais
distribuição do valor.
Utopias?
No seu
conceito, ou no desejo de as aplicar?