segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A Reabilitação em edificado arrendado

O mais natural, é exigir-se o esforço financeiro da reabilitação do edificado ao seu proprietário, supostamente o seu beneficiário final, o que muitas vezes não é verdadeiro.
Até porque a sua detenção é, quase sempre, condição indispensável para a garantia a operação de crédito, se eventualmente necessária.
Mas o mercado tem sabido, por iniciativa própria, encontrar alguns mecanismos de resposta a necessidades de reabilitação em edificado arredando, dos quais apresentarei 4 exemplos neste texto.
Contudo, dado ter no meu blogue uma preocupação associada à identificação de eventuais falhas de mercado, que possam exigir e justificar a intervenção do sector público a apoiar a iniciativa privada, terminarei a análise com uma sugestão a esse nível.
Tradicionalmente, um país de proprietários de casas (com um dos percentuais mais altos da União Europeia – cerca de 75% -), Portugal passou recentemente por uma das maiores mudanças de paradigma relativo à habitação.
A reboque desta nova dinâmica estão a surgir empresas com conceitos inéditos que já começaram a atrair quem quer arrendar num formato fora do tradicional.
O dinamismo no arrendamento está a criar conceitos novos, como a 1. Renda Zero(obras em troco de rendas) e o 2. Buy4Rent (quando o proprietário arrenda a sua própria casa. Podemos acrescentar o3. Acordo senhorio/arrendatário e o 4. A reabilitação de prédios propriedade de seniores, o sistema de hipotecas invertidas.

    1. A Renda Zero

    Esta empresa está a actuar no mercado desde Setembro de 2013 e criou uma forma original de arrendamento, bem como está a contribuir para a reabilitação de imóveis.
    O princípio é simples: unir um proprietário sem capacidade financeira e que possua um imóvel a necessitar de remodelação e um inquilino com alguma liquidez, disposto a pagar as obras na casa. O inquilino assume toda a remodelação do espaço e em troca não paga as rendas durante um período acordado.
    Geralmente são casas inabitáveis, pelo que os proprietários não as conseguem vender, dado o elevado preço que pedem e a situação de imobilidade do mercado.
    Foi criado um site onde a Renda Zero recebe inscrições, quer de detentores de imóveis quer de futuros inquilinos com verbas variáveis e precisas de como gostariam de viver, e em que zonas. A empresa funciona como o elo de ligação que una as partes, bem como faz o projecto de reabilitação, contrata as empresas de construção, acompanha a obra e gere depois todo o processo de arrendamento.
    Os proprietários dos imóveis acabam por aceitar esse sistema pois sabem que o seu património sai valorizado, sem que tenham de investir.
    Por outro lado, devido ao estado em que a casa está, a renda acordada acaba por ser mais baixa do que a praticada no mercado, beneficiando o inquilino.
    Ou seja, todos ficam a ganhar.
    Um exemplo aplicado, um inquilino entrou com 12 mil euros, o proprietário com mais 5 mil euros e durante os próximos 3 anos e 5 meses o inquilino não pagará renda. Mas à casa é atribuída uma renda virtual de 400 euros, quando o preço de arrendamento na zona e imóveis idênticos é de 650 euros.
    2.      Buy4rent
    Neste sistema, o dono do imóvel torna-se inquilino da sua própria casa, podendo recuperá-la no final do contrato, que pode durar até 5 anos.
    Neste caso, o morador conhece muito bem a sua casa porque é o proprietário. Mas, por poder estar em vias de deixar de o ser por se encontrar numa situação financeira complicada, pode precisar de dinheiro por um tempo determinado. Assim, propõe-se vender a sua casa a um determinado investidor, permanecendo nela como inquilino durante um período acordado. Findo esse tempo, exerce o seu direito de opção de compra, cláusula assegurada no início do contrato.
    O princípio é que as casas sejam vendidas abaixo do preço de mercado, uma vez que o objectivo é que o proprietário, que se tornou arrendatário, consiga voltar a adquirir o imóvel depois de regularizar o seu passivo. Os contratos podem ter a duração de um a cinco anos.
    Para quem investe, a vantagem é passar a deter um imóvel que comprou a um preço mais baixo do que o do mercado e que lhe garante uma renda mensal superior à que teia aplicando o dinheiro num depósito a prazo que não vai além dos 2,5%.
    3.      Acordo senhorio/inquilino
    Apresento este, porque foi próximo do que realizei para viver no centro do Porto.
    Estando a pagar uma renda de, digamos, 450 euros por um T1 mais afastado do centro do Porto, é possível tentar um acordo com o proprietário para um arrendamento de um T2+1 na Baixa do Porto, a menos de metade do seu valor de mercado - cerca de 650 euros – pagando apenas 200 euros/mês de renda vitalícia e actualizada.
    A contrapartida foi a realização das obras de beneficiação. Por cerca de 25 mil euros é possível reformar cozinha, quarto de banho, sistema eléctrico, pavimento, pinturas e o difícil trabalho de insonorização e vedação das imensas janelas e portas. Para um casal jovem, a 30 anos e taxa de 3%, a renda mensal associada a estes 25 mil euros, são 105 euros. Se 15 mil euros, apenas 63 euros.
    Ou seja, o casal deixou de pagar 450 euros por um T1 longínquo e está a pagar 305 por um  T2+1 ainda por cima melhor localizado. O proprietário tem o imóvel recuperado e recebe uma renda de 200 euros.
    Dificuldade, na inexistência de disponibilidade financeira para obras, carece a existência de um sistema de garantia ao crédito às obras, dado o imóvel ser propriedade do senhorio e não do tomador do empréstimo.
    Como referi no início, aqui se exigiria a intervenção pública, num sistema de mutualização do crédito, tipo SGM, mas para operações de particulares e com fundos do novo QREN, o Portugal 2020, que deverá privilegiar mais o apoio à intervenção dos privados e não guardar tudo para as empresas e infra-estruturação pública.
    Um simples fundo de garantia, mutualizado, que pode implicar que não chegue a ser uso  de fundos, de 10 milhões de euros seria suficiente para que 400 a 650 famílias de jovens regressassem ao centro do Porto,
    4.      Sistema de Hipotecas invertidas
    Em termos de ponto partida, admita-se que um reformado tem um imóvel desonerado,
    ou seja, sem qualquer hipoteca ou outra responsabilidade associada, e que pretende aumentar o seu rendimento.
    Em Espanha, em 2007, havia instituições financeiras que disponibilizam soluções, em que é feita uma hipoteca sobre a casa, em troca da qual o proprietário passa a receber uma renda mensal vitalícia.
    Com este sistema, as contas de alguns Bancos apontam para que um aposentado médio espanhol, que recebe uma pensão de 600 a 700 euros por mês, possa duplicar os seus rendimentos mensais. Neste país, tratava-se de um veículo financeiro que funciona como um sistema complementar dos rendimentos de reforma, decisivo neste período de busca de soluções para a sustentabilidade da Segurança Social. Após a morte do mutuário, os herdeiros têm um ano para vender o imóvel e amortizar o capital e os juros em dívida.
    Ou, simplesmente, para liquidar o empréstimo e manter a propriedade. Se nada disto suceder, poderá sempre a Instituição de Crédito transferir o imóvel para Fundos de Investimento Imobiliário Especializados, previamente contratados, e acertar contas com herdeiros (sendo que os descendentes nunca herdarão a dívida que não possam pagar com a venda da propriedade).
    A reabilitação urbana poderia entrar aqui em termos complementares a esta solução, dado que se presume a existência de muitos imóveis no Porto que são propriedades de famílias idosas, sem possibilidades financeiras para a sua recuperação, e destinados a habitação própria ou arrendamento. Se esse fluxo vitalício de rendimento, atrás apresentado, fosse afectável, parcial ou integralmente, ao pagamento das obras de recuperação, potenciando seu próprio valor passível de hipoteca.
    Ou seja, complementarmente ao que é feito em Espanha, em Portugal seria como um veículo para o financiamento das necessidades com a reabilitação de edifícios que são propriedade de idosos, de uso próprio ou arrendamento (senhorios, idosos, com poucas posses).
    Eventualmente, dada a actual crise internacional precisamente nos mercados imobiliários, poderá este risco não ser passível de assumpção por entidades bancárias privadas.
    Mas, dentro daquele princípio em que a intervenção pública deverá existir para suprir as carências de mercado, parte dos fundos para a reabilitação do QREN/Portugal 2020 poder-se-iam constituir, por esta via, como um Fundo de Fomento da Reabilitação Urbana para imóveis propriedade de cidadãos da terceira idade.
Comentário Final
O Estado dispõe de quatro instrumentos de intervenção pública ao dispor das falhas de mercado. Um Banco Público, um novo Banco de Fomento, o Programa Jessica e os Fundos do novo quadro comunitário de apoio, Portugal 2020.
A solução pública será direccioná-los mais para o apoio directo aos privados nas modalidades atrás apresentadas e que revelaram eventual necessidade da sua intervenção: a garantia a créditos para obras de não proprietários e um Fundo Imobiliário associado ao apoio a idosos e transição para descendentes.

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